quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

olhar que cabe na mão que cabe nas palavras que cabe em imagens que cabem na boca que cabem nos dias que cabem no espaço que é corpo que cabe em corpo.
 

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Como surpresa que intuía, é música sem antes nem ter sabido por som, porque música é em mim o que não domino, não controlo, é o que me atravessa sem pedir. Que bom vir. E ficar
 

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Tem um som que vem de fora e um outro som que vem de dentro. O som que vem de fora é mais frenético do que o som que vem de dentro, mas o som que vem de dentro é mais forte do que o som que vem de fora. Tem um som que vem de fora e um outro som que vem de dentro. O som que vem de fora é mais frenético do que o som que vem de dentro, mas o som que vem de dentro é mais forte do que o som que vem de fora. Tem um som que vem de fora e um outro som que vem de fora. E um outro som que vem de dentro. O som que vem de dentro é mais forte que o som frenético que vem de fora que o som que vem de dentro. Tem um fora que vem de dentro que é mais forte que o frenético que vem de outro som que vem de dentro. Tem um forte que vem de dentro que é mais forte do que outro som que vem de fora. Tem um que vem que é mais som do que dentro fora frenético mais do que vem de dentro. Tem um som que vem de outro som que é mais que frenético dentro fora forte.
 

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

sai água entra lama . sai escola entra gás
entra prisão sai aluno . entra polícia sai professor
sai índio entra bala . sai gente entra massacre
entra grana sai barragem . entram as igrejas dos deuses que nem foram consultados saem direitos básicos óbvios
estamos soterrados só que dessa vez não é metáfora
estamos demolidos por dentro e ao redor
não é tragédia natural. não é reorganização. não é reapropriação. não é a lei da vida ou pela vida.
é crime acumulado.
 

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

domingo, 18 de outubro de 2015

tem na lacuna a imagem que, mesmo invisível, pertence; quase um código morse velado e revelado; imagens espelhadas arriscam sinais ruidosos; esse vácuo insistente, num instante revertido, parece nutrido inteiro, cheio, presente; de dentro do lapso eu quero dizer uma palavra alta que rabisque essa pausa de mil segundos.
 

sábado, 17 de outubro de 2015

pulsos irregulares (mudos) (entre os corpos) (quilômetros de frequências sonoras) (atingem picos com qualquer som) que são só intuição.
 

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Quis olhar com alguma distância. Que estivesse próximo, atravessado até, mas ali em outro lugar. Olhava quase por baixo, de certa forma diretamente, mas mais os caminhos e vultos do que aquilo que devolvia o olhar. Essa vibração sempre, tão própria, tão invisível, que não sabe se move ou estagna. Corpo mais largo por dentro do que por fora, corpo desencontro em si, partes que dos múltiplos que querem alcançar, às vezes não são. O profundo é sim e não, e sim e não, embate laceado, dureza chovendo frouxa até alagar. Desgaste profundo que vira ânsia, lágrima, raiva e então expansão. Silenciosa, interna. Quando-quanto foi mais pra fora, mais foi o avesso que ocupou os olhos que atravessaram, avesso-se, me, olhar-te-a-si.
     para Abissal . iN SAiO Cia. de Arte
   

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A gaveta fechada é que está povoada de gente. Ali tem os esboços que me rodeiam, e aqueles que me convivem. Ali a escuridão me mostra todos, habitamos juntos na profusão de ruídos e presenças. Quando luz, é o vazio. Como se antes, imediatamente, pouco tivesse existido. Eu solta, no meio, quase capaz de ocupar o espaço maior do que ele é. Solta na própria órbita, mas enganchada pelos rabiscos do escuro, pendulando entre as fronteiras. A gaveta e a luz se confundem. Fechar e abrir é instante. Tamanho. E ausência, ou.
   para Abissal . iN SAiO Cia. de Arte
      

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

A ironia fala do tanto que não se ignora o ridículo de ser gente, não se ignora o ridículo, não se ignora. Esse riso amargo tem o gosto do que embaixo de nós, há. Acima e ao lado, e por dentro; esse riso que vaza quando são os excessos de preenchimento.
*
É tudo pretexto para que isso não deixe de acontecer. Eu te-me-nos conecto por um fio, tu me-te-nos conecta por um sopro. O espaço ao redor de nós, todos nós, nos-te-me-nos conecta ainda que pela ausência, e essa ausência tem(e) o peso dos silêncios áridos, ácidos, silêncios queimados, rastros dos restos dos pedaços de som. Há sempre milhares de janelas por onde as cabeças (sempre elas) dos vizinhos alongam os pescoços espiralados. Querem fazer parte do que é alheio, querem conectar-se-nos-todos, mesmo que em fragmentos.
para Abissal . iN SAiO Cia. de Arte
    

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Ato único. | banheiro de shopping center - a segurança e a faxineira ao vivo - o supervisor citado - uma não pode conversar com a senhora que puxou assunto - a outra não pode falar mais do que "depois da escada rolante" ou "no final do corredor" - uma sugeriu que então só os mudos entrassem ali - a outra teve o tempo do banheiro rastreado pelas câmeras ("ainda bem que foram só 5 minutos") - nenhuma pode se dirigir às lojas se estiver de uniforme - uma só pode assegurar o bem estar dos frequentadores - a outra só pode assegurar a limpeza para os frequentadores - uma só pode limpar o chão - a outra só pode garantir a ordem - no tempo cronometrado trocamos algo sobre exploração . preconceito . o filme que está explodindo . o funcionamento que estabelece os lugares onde se pode e não se pode ser . as denúncias - a porta do banheiro é atravessada por elas de volta ao mundo ordenado e limpo - limpo e ordenado pelas duas que ali não deveriam existir para além da função de não existirem - para além da função de só funcionarem - para além da função de serem úteis e invisíveis - para além da função de transmutarem-se (mudas) em função. | Fim. | Ou outro começo.
 

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Cabeças pendem pela gravidade. Ou gravitam em volta de si mesmas, ancoradas num não-se-sabe-o-quê. Acontece que quanto mais vácuo, menos o peso de cada cabeça cabe em si - a não ser pelo disfarce, pelo patético da gente. A cabeça esconde o que não se sustenta enquanto faz de conta que sim. Então que as cabeças des-conduzem o espaço-do-todo (cabeça também, de cérebro magma), essas que acham que encontram, ocas e retrocessas. Até que voam, e o peso é espaço, ou revoam, e o peso é lava.
para Abissal . iN SAiO Cia. de Arte
    

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Fazia tanto silêncio quanto a inquietude podia constituir. Era pr'aquele outro pedaço confundido de mim que eu olhava, aquele que quase vomita, que seca escapando dos naufrágios, mas úmido ainda. Esse pedaço duplicado seguia o acordo aflorado durante, e que tinha tamanho um pouco maior que o limite de um outro pedaço - este mais material que simbólico. Enquanto isso, aquele silêncio acobertava um canto contínuo que já havia sido som e agora era suposição. O canto intermitente seria como desgaste: necessário.
para Abissal . iN SAiO Cia. de Arte
     

domingo, 30 de agosto de 2015

Que nomear o invisível é tarefa insistente, é como transmutar em palavra o que tem a mesma complexidade do tempo, o que tem tantas faces quanto enigmas, o que muda porque precisa, porque é também impreciso, mas mantém a cor. Daquilo que nos constitui, somos fruto, pulso e refazimentos. Algumas luzes não se apagam, elas gritam.
   

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Os olhos sumiram. Estavam lá, imagino, mas por trás de uma sombra qualquer fantasiada pelo meu olhar que não enxergava bem. Da neblina que meus olhos criaram naqueles, desenhei o que achei que poderia ver, pensando que quem traçava não era eu, talvez supondo que o que eu rabiscava, estava. Sem saber e sem sabermos eu escolhia cada intenção que pensava ver, possíveis que eram todas de emergir. Eu que sem ver, pensava que via, não via que os outros olhos devolviam o olhar, também. Não via que o que eu pensava que inventava, era.
para Abissal . iN SAiO Cia. de Arte
       

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Já comecei a pensar nisso durante. Eram três lugares de um mesmo outro corpo, um do prazer, um da indiferença, um do medo e frio. Não que tivesse que ser assim cartesiano, nada tinha que, mas era. Os líquidos que rolavam eram melhores se conduzidos por fora, a cabeça revê a vida e o peso era lugar de conforto. De todas as imagens, não sei se é deslumbre ou aflição. Eu tiraria a luz de cima e colocaria por dentro. Buscava calor. Do contrário (contrário nada) de mim, buscava calor. Um que viesse das cavernas de através. Do contrário que também era eu, buscava calor.

escrita desejada e não-automática
experimentos pela anatomia do movimento - letícia sekito . Abissal . iN SAiO Cia. de Arte

    

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Eu pequena pequena querendo saber alguma coisa do peso da ânsia do que passa pela cabeça lembrei agora da letra que esvaziou o peito esvaziou o ar esvaziou as margens (plácidas?) acho que não as forças são diferentes e penso em não querer mais que elas estejam tanto quanto querer muito alargar é um movimento quase fora do corpo que não habita do corpo que não sabe se está porque assim estão as desconexões opostas esvaziadas de novo sempre tão esvaziadas hoje do sempre de hoje se eu quisesse dar um nome seria o que a caneta não completa direito como se fosse uma descoordenação cada palavra.

escrita automática
experimentos pela anatomia do movimento - letícia sekito . Abissal . iN SAiO Cia. de Arte
   

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Eu começo pela ausência porque quero a presença no final. Agora você está faltando e no seu lugar fica um abismo. As palavras escapam. As lembranças dos anos o pensamento a sua primeira chegada os sons as lambidasbeijos o seu olhar a sua parceria o seu amor a companhia permanente os cuidados a teimosia os latidos insistentes a personalidade a sua namorada as casquinhas de pizza cenouras ossinhos bifinhos as conquistas os ciúmes os medos o carinho nas orelhas a zebrinha de presente (que tá aqui) as estratégias (suas e nossas) o espaço todo ocupado as suas escolhas e tudo o que agora a falta desenha uma nuvem na frente o tanto que eu te agradeço por ter existido nas nossas vidas o tanto que a sua importância é única. Acho que é a primeira vez em 12 anos que eu choro muito e você não tem como lamber as lágrimas. Foi como um susto porque o seu tempo é o da existência inteira, ágil, barulhenta, presente, e menos do que isso era muito pouco pra você. Eu que nunca acreditei em céu, hoje construo um sob medida pra você estar. A dor é nossa pra você poder respirar, e por mais que seja aguda eu prefiro sentir assim e poder ter compartilhado a sua existência encantada. Eu te beijei mas na verdade não sei despedir. Fica tranquilo. Obrigada, meu amor. Eu te amo pra sempre, pra sempre, pra sempre. Assim, você fica.
   

     

quinta-feira, 30 de julho de 2015

No fio invisível entre fragilidade e força. Linha rasteira que às vezes rompe, as vezes dilata, às vezes chicoteia. Tem vazado como torrente, penetrado as escolhas, sido às vezes trovão, outras recolhimento. As coisas da vida-instante escapam das mãos, o tempo vai à frente, enquanto os dias não me respondem. Que o ar seja suficiente.
 

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Tem aqui uma ansiedade pra fora pra fora uma coisa que quer sair vomitar como ânsia tremor e eu à margem do espaço que não tem tamanho certo a mão não obedece o punho a cabeça esvaziada vazando tudo isso que não tem nome engulo de novo pra sair não tem porta sem ser por lugar nenhum que eu conheça uma fragilidade explodida em mim sem corpo sem contorno sem força o eu sem nome como buracos eu inteira buracos em volta onde vai ser pra pisar um buraco que não tem nome também espalhado em todos os pensamentos enquanto o corpo pensa o buraco se move ao redor.

escrita automática
experimentos pela anatomia do movimento - letícia sekito . Abissal . iN SAiO Cia. de Arte
        

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Engolir engolir ir pra dentro do que expele expelir como gota escorrendo sangrando gerando para cima e em seguida tem como um líquido meio pastoso com cor de sangue caindo pelas paredes parece que sai dos espaços do teto e escorre como vazamento aí vai passando pelo chão e começa a suar e a soar e a suar mais profundamente e volta a ter cor de sangue e a engolir e puxar como ralo vácuo vácuo vácuo eco som de eco de fora pra dentro eco vácuo engolindo o som o sangue os objetos engolindo o mundo para gerar outro engolindo a mim para gerar outra eu outros seres expelindo entregando suando o mundo cor de cobre.

escrita automática
experimentos pela anatomia do movimento - letícia sekito . Abissal . iN SAiO Cia. de Arte
      

terça-feira, 21 de julho de 2015

que basta uma referência pequena, minúscula reexistência passageira, basta um nome, uma imagem sugerida, basta uma menção indireta, e o mundo se dissolve por segundos para virar ao mesmo tempo aperto e estouro, para virar ao contrário, para se revirar, para depois virar-se de volta à face desvirada - aquela mesma, avessa por si só.
 

segunda-feira, 20 de julho de 2015

De manhã o café quase acabando de passar, um instante e espalhou pela cozinha inteira. Tem dia em que o dia começa assim, com cara de metáfora.
 

domingo, 19 de julho de 2015

O lugar é mais que espaço. Que ser espaço é mais do que terreno e construção. Ali é memória de tempos, resgate de histórias, retorno de gentes, regresso das funções multiplicadas pelos contextos uns, outros, alguns. Onde eu soube chegar desde com pequenas mãos dadas até as próprias pernas durante anos de estar(es). Tem cheiro próprio, dessa vez igual mas não. A cor de tijolo, que domina em parte mas é como se fosse tudo, reconstrói em mim casas antigas, translúcidas, mais internas do que evidentes, dessas que só se vê quando não se está mais. Ou quando se está de volta. Ao mesmo tempo re-estar e vermemória, e sou-eu-hoje-todas-as-outras-de-mim, sobrepostas, umas maiores que outras, e outras mais opacas que umas, e nem uma nem outra mas também; seguinte.
 

quarta-feira, 8 de julho de 2015

O primeiro silêncio foi encontro. O segundo silêncio foi contato. O terceiro silêncio foi surpresa. O silêncio seguinte foi conexão. O outro silêncio foi latejo. O silêncio então foi incandescência. O silêncio depois foi espanto. O ... foi lacuna. O próximo silêncio não se sabe; este está mudo.
   

domingo, 5 de julho de 2015

Respeito, mesmo, o susto de todos os que já foram agredidos por menores (ou maiores) de idade. Respeito o luto dos que viveram perdas definitivas por conta de que tipo de violência for, inclusive pelas mãos desses menores. Mas respeito em escala imensurável o luto dos que perderam seus menores nas periferias, e como são muitas essas perdas, e tantas, e muitas mais, e quantas gratuitas. Mas estas não aparecem quando se discute a redução da maioridade penal, e enquanto não se admitir que esse tipo de criminalidade é uma questão social, não sairemos do lugar. Ou melhor, sairemos, rumo a um país cada vez mais violento, racista e discriminador.

Uma das grandes confusões que se faz nessa discussão é achar que quem é contra a redução "defende a impunidade". É o contrário. Impune é a sociedade que permite tamanho desamparo. Não adianta pensar que "querer é poder", simplesmente porque o mundo capitalista é construído para a desigualdade. Não há como todos terem as mesmas condições, porque o lucro de um depende da exploração do outro. Simples assim: é o capital quem manda, e em nome dele vale tudo. Há quem manda e quem obedece, há quem pode estudar e quem não pode, há quem come e quem passa fome, há quem tem o direito de viver dignamente e quem tem o dever de aceitar que seu esforço e seu trabalho valem menos (muito menos), porque afinal, a vida é assim mesmo.

Estão, ou vem das periferias, muitas das principais pessoas com as quais eu convivo, amo e/ou admiro (seja pelo contato direto ou por saber da sua militância) e eu seria no mínimo ignorante e preconceituosa se achasse que essa não é uma realidade possível. Aliás, é nessa força que eu acredito e confio em primeiro lugar e é por essa potência que eu escrevo. Várias dessas histórias ainda se reforçam justamente por conta das possibilidades (dizer o óbvio) de educação e cultura, e de convívio, e de reflexão e senso crítico por diversos caminhos, e de expressão e empoderamento (especialmente por iniciativa popular). E há histórias, inclusive, de reabilitação e ressocialização sem as quais várias trajetórias teriam sido diferentes. E é justamente por saber que é assim que continuo acreditando que o rumo a ser tomado precisa ser outro, diferente da escola de bandidagem que é o sistema carcerário tal como se apresenta.

No entanto, está posto que no mundo em que vivemos não há (e isso há séculos) espaço para todos os que "querem escolher". Não ter espaço inclui não ter inclusive a perspectiva de que esse espaço possa existir, ou ser alargado, ou ser conquistado por direito. Principalmente quando ele é subtraído desde o nascimento.

E aí isso significa que todas as ações estão justificadas, e que jovens que cometem crimes devem ficar impunes e livres pra continuar reproduzindo esse comportamento? Não. Em primeiro lugar eles deveriam era ter uma vida que abrisse as portas pra outros modos de ser, e isso parece óbvio. Mas vamos partir da sociedade falida que já temos, e eles já estão na rua e no crime: um adolescente nessas condições não fica impune. Desde os 12 anos ele é recluso, só que em sistema diferente. E acredito profundamente que eles precisam ter o direito a esse outro formato de reclusão para que se aponte para eles outras perspectivas, e não no meio de adultos diplomados no crime onde vão aprender a ser cada vez mais perigosos, porque não há nada diferente disso na cadeia. E uma hora eles saem (ainda que, por vezes, muito depois de já terem cumprido suas penas, num sistema lotado e falido que não dá conta dos próprios processos). E não saem de lá pra estudar e trabalhar. Né?

O crime é uma escolha? Tá aí o Eduardo Cunha, por exemplo, nos provando que pode ser que sim. Criminoso, defendendo seus interesses por meio de uma manobra inconstitucional - e em nome de deus. O ser humano sabe ser peverso também. E olha que provavelmente o Cunha nunca passou fome, nem foi discriminado, nem nunca deve ter sido agredido pela polícia nem visto parentes e amigos serem mortos "a priori" (tipo: atira e depois pergunta). E que bandido feroz ele se tornou. Mas, voltando à população à qual essa medida se dirige prioritariamente, nada me convence de que a sociedade é feita para todos e que a índole é que define os rumos de qualquer cidadão.

Se vivêssemos numa sociedade não-excludente essa discussão nem seria necessária, porque a criminalidade existente por conta dos seres "naturalmente perversos" seria provavelmente muito específica. Uma vez que não é assim, se quiséssemos realmente diminuir a violência (e não aprovar uma medida para estimular o lucro com a construção de presídios), os programas de reabilitação existiriam de fato (para adolescentes e adultos) - e acreditaríamos que essa reabilitação é possível. Se não vivêssemos num mundo racista e discriminador, o genocídio que acontece nas periferias seria uma aberração. Quer dizer, é uma aberração. Mas uma aberração que está naturalizada e às vezes ainda aparece com cara de justiça. Nada pior. Quantas vezes já ouvi adolescente dizer que, quando crescer, quer ser policial (ou bandido) pra poder mandar em tudo e todos? E não é porque viram filme de ação. É porque veem isso nas suas ruas, nas suas casas. A reprodução do comportamento de poder e repressão é séria, muito séria. Quem vive ou convive nas quebradas das cidades sabe que por lá a polícia já mata sem precisar do aval da lei. Impera uma espécie de autorização tácita para matar. Nascer imerso na violência é uma forma de se construir o mundo. Não dá mais pra fingir que não vemos isso.

Além disso, não duvido que a porcentagem de menores que cometem crimes hediondos vá subitamente "aumentar" pelos crimes forjados, nos testemunhos que afirmarão que "sim, foi esse daí", e mesmo a falta de necessidade de testemunhos e certezas, porque é mais um moleque "preto, pobre e vagabundo" que por via das dúvidas a gente já isola da sociedade. Já encarcera mais cedo e vai limpando a rua dessa gente. Armas e drogas plantadas pela polícia tem aos montes. Adoraria que fosse chavão ou exagero, mas não é. Fora o aliciamento de menores ainda menores pelos criminosos que os usam como ponta de lança. Tragédia.

E então surgem os comentários lugar-comum: "ah, você acha que eles são 'coitadinhos', 'indefesos"'. Não acho e não gosto dessa ironia. Eles aprenderam a ser bandidos e cabe à sociedade pagar sua dívida escravocrata em busca do contrário, ao invés de clamar para que se acomodem em condições miseráveis. Esse pagamento vai no sentido de propiciar uma sociedade (utópica?) revolucionária. Que comece pela extinção da miséria e dos preconceitos todos, pela extinção da fome, por educação e saúde não sucateadas e que passe pela reabilitação no crime, também.

Talvez o congresso, reacionário como está, aprove mais essa manobra porque pode estar interessado em muitas coisas, mas nenhuma delas se alinha de fato com a diminuição da violência. Se isso acontecer saberemos os frutos, e será um desastre considerável que tenhamos que pagar pra ver. Não torço por isso, prefiro ficar sem as provas concretas de que esta será uma contribuição para agravar o que já está sério demais.

Desejo aos menores que já existem, e aos menores que ainda vão nascer, e aos menores que já são maiores, um mundo onde possamos olhar uns para os outros, ao invés de nos escondermos.
     

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Ódio plantado por quem sabe exatamente o porquê de fazer isso. Ódio alastrado como uma grande campanha publicitária muito bem arquitetada, convencendo multidões. Acredite que é pra diminuir a violência. Acredite que foi deus quem disse. Acredite que existem aqueles que nasceram mauzinhos (desde que sejam os outros, e não exatamente esses: os espalhadores do ódio). Acredite que quem se esforça é recompensado porque o mundo é um lugar lindo e justo, com espaço pra todos os bons cidadãos. Enquanto tanta gente acredita, uns tantos espertos-sem-caráter vão engordando suas contas, seus acordos e seus poderes sujos por tanta crença infundada, distorcida, tanta compreensão torta, tanta fraude assassina.
 

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Meu corpo é vibração. Ausência no profundo do sangue, que corre esvaziado de alguma microparticulaessencial que procuro todos os dias em lugares que não sei. Por um sentir-me-sempre-o-tempo-inteiro, sou sensação que se impõe em estado intermitente de avisar: isso. Quando pequenos pulsos diários, os olhos percebem o mundo como cenas estroboscópicas só minhas iluminadas por contrações involuntárias. É estar paralela e transversal enquanto as partes caminham pra dentro em impulsos de descordenação. Meu corpo que eu sou obedece àquilo que nóseuele não entendemos. O que se arranca leva junto raízes essenciais. Cabe reconstrução.
 

segunda-feira, 29 de junho de 2015

malabarismos de ar no farol, os olhos de uns sete anos, viu o que eu fiz? vi, você tá imaginando? não, elas são invisíveis, olha (num instante-palavra-gesto ela soube me contar que o que é invisível existe), e repete, gesto ágil olho atento, sim, to vendo, !!!você viu, tia?!! e começava e parava porque essa concretude quem sabia era ela, e sorria muito, como se não fosse na rua, me olhava, porque era na rua, sorria talvez; ela entendia tão bem seu estar visível-absurdo-invisível, tia, você tem água?, e abriu o farol, e a avenida em mim em seguida desabou.
 

terça-feira, 23 de junho de 2015

quarta-feira, 17 de junho de 2015

luz na camada mais subterrânea, tão óbvia, tão constituinte da nossa matériapaíspessoasrelações, e tão moravanumlugarquepareciaentendidamasnemsempreé. Gente é complexidade, e foi n'algum lugar fundo, e verter água também é um modo de existir. Em meio a equívocos de todos os lados a questão é quem, afinal, delimitou os contornos da verdade. Que somos filhos de uma história, é tão inegável quanto estabelecido quanto imperceptível (pra quem?) quando sempre foi assim. Trata-se então de discutir mobilidade. De pensamento, em primeiro lugar.
 

terça-feira, 9 de junho de 2015

E aí que no mesmo dia correm as notícias de que o Zé Celso está sendo processado e pode ser preso por fazer uma crítica ao autoritarismo, e a travesti na cruz é massacrada por uma suposta blasfêmia que ninguém enxerga nas chacinas da vida real. E o pensamento crítico jogado no ralo porque ir a fundo nas discussões sobre opressão, massacre, preconceito, dominação e genocídio dá trabalho demais pro senso comum acostumado às grandes verdades congeladas e tão distantes da vida além da televisão. É que pensar sobre as verdades outras, plurais, por meio de metáforas ou não-metáforas, é território proibido pros pensamentos que querem permanecer imóveis e centrados nos seus umbigos normatizados.
Queria eu que Jesus, o homem, estivesse vivo e presente pra explicar pra sociedade contemporânea um pouco que fosse sobre o conceito de humanidade. Estamos em 2015. Mas isso repetidamente não tem feito a menor diferença.
   

segunda-feira, 8 de junho de 2015

No dia em que fui maior que eu, eu não coube. Fui ocupar o espaço. Os respiros eram todos acelerados, projetados nos cansaços que compartilhamos. Eu era transparente inteira, revelada em parte, espontânea toda, disparada ainda, enlaçada desde dentro. Nesse dia em que cada hora durou um minuto, eu torcia por um tempo looping que girasse lento ou rápido, mas na espiral daqui, onde estivemos sempre. Ouvia, desperta de sono e euforia, teus sons de sonho, teus sons de abraço, nossos sons de laço. No dia em que fui maior que eu, fomos juntos, e coube a nós cabermos, e ainda, em nós.
 

domingo, 7 de junho de 2015

O tempo é suspenso nessa cronologia redesorganizada como tudo. Etérea terra tingindo silêncios cheios. Eu digo palavras minhas e tuas com a intimidade profunda de quem não conhece mas adivinha, que adivinhar é como saber além. As coisas são.
 

sexta-feira, 22 de maio de 2015

aos olhos que não são olhados nunca, ou tão breve que como se não, pelos diálogos improváveis como somos todos nós, nos dedos que atravessam a janela, no aceno como toque, da porta pra fora, dos ônibus pra dentro, nas misérias todas escancaradas - gigantescas existências, nas imposições dos tempos, em escadarias de ordem, e desordem, pelos risos de outras compreensões, nas cabeças que se encostam pra, no concreto de terra e odor, nos pequenos saltos que pulsam pedra pêndulo, e então que trabalhamos cada qual em cada ofício em cada espaço-o-mesmo, e então que é a rua quem dança em nós.
 

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Hoje é o dia da dança, muito mesmo a comemorar. Mas hoje foi também dia de guerra no Paraná e aí foi tão forte que o fascismo das ruas se sobressaiu aos palcos, às salas de ensaio, às criações. Hoje foi ainda dia de manifesto em São Paulo porque o mesmo Governo do Estado que nega a greve dos professores (e explode por aqui também a sua polícia quando convém) nega a produção, o estudo e o acesso à Cultura. Corta milhões de reais destinados a editais, Oficinas Culturais e projetos de formação.
Então os caminhos se cruzaram entre dança guerra abuso barbárie ensaio ficção repressão horror tropa de choque reacionarismo camburão cena polícia gás de pimenta bala de borracha manifesto moto-contínuo.
Que a arte e a educação sejam batalhas também, que é com as armas-corpos-e-cabeças-pensantes-criadores-transgressores que explodiremos a favor de um mundo com um pouco mais de decência.

http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/violencia-da-pm-deixa-mais-de-cem-feridos-no-parana-6622.html
   

domingo, 26 de abril de 2015

o que não se explica é porque já, porque isso, porque os atravessamentos tem som de susto. Entre o meio longe meio perto meio irreal, tem gente. Os sons que (não) se ouvem, vazam.
 

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Hoje faz seis meses que há seis meses achei que hoje seria uma conclusão, essa que não é, que talvez seja o meio, que talvez um pouco menos, um pouco mais, um pouco sempre, um pouco de muito ar e paciência e cuidado, um tanto de querer saber o que, e por que, um tanto de movimento, e respiro por um tanto de tempo próprio, do próprio tempo.
 

terça-feira, 7 de abril de 2015

domingo, 29 de março de 2015

habito a ansiedade que me habita, que mora no corpo que sou, no corpo que mora em mim, que moro nele, que sentimos um ao outro - mesmos -, que escancaramos os próprios tempos, os tempos que ele e eu, que somos uns sós, não controlamos.
   

quinta-feira, 26 de março de 2015

sábado, 14 de março de 2015

E aí que eu começo a ler agora uma galera dizendo que a manifestação de ontem, como aconteceu numa sexta-feira, foi feita por... vagabundos!! Que tinham que estar trabalhando ao invés de estar nas ruas. Nossa, mas de quanto vagabundo é feito o Brasil, hem? Quantos 50, 80 ou 100 mil professores vagabundos, artistas vagabundos, autônomos vagabundos, estudantes vagabundos, operários vagabundos (esses, então, nem se fala!!), que tiraram um diazinho de folga pra fazer carnaval na avenida, né? Isso em São Paulo, fora o resto da vagabundagem no resto do país. Ai, gente, não, né? Crítica política se discute. Mas preconceito não é embate, é ignorância. Aliás, pra aliviar o incômodo dessa galera: que tal fazer greve nas férias, por exemplo? Ou se manifestar lá no sambódromo? Assim fica bem invisível e não atrapalha a ordem e a vida de ninguém, né?
(contém doses fortes de ironia, caso alguém se confunda)
 

quarta-feira, 4 de março de 2015

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Daí que o tempo, que eu pensava que sabia, pensava que cabia, pensava que éramos, ele e eu, simétricos, me diz que é impressão. Impressa nele, eu, fundida, parte no todo, sutil, quase invisível, quase fenda. E ele-tempo atrás e diante, adiante, já, gigante, ele-tempo rima própria de boca enorme e fluxo-ímpeto. Mas, ainda que fresta, eu imprescindível: daquilo que percebo é feito ele, ao mesmo tempo largo e dilatado e urgente em mim. Ele e eu da importância de tudo o que não cabe. Ele não sabe, mas o tempo também não cabe em si.
 

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

dos múltiplos, simultâneos, do que passa tão depressa que já correram dois anos em mês e meio, do que é coisa lenta pras aberturas fecharem, que diz alguma coisa até quando não se ouve ou que não diz nada só é, em que água custa caro quando tem, em que se decide sobre o corpo alheio, sobre o amor alheio, que absolve assassino de elite, em que aborto não é opção, comer não é opção, morar ler dançar cantar querer não são opção, em que cirurgião corta, não cuida, em que diagnóstico não identificado não interessa, que fala, que cala, consente, rebate, que quer seguir ao contrário pra estender pra entender, que abandona, surpreende, escancara, equilibra, que cria encontros, que faz caminhos, ciclos, tontos, tortos, lindos, diálogos, discursos, suores, agulhas, compressas, tremores, ares, que põe à prova todas as provas, que ri, que faz sentido, que mexe no corpo, que empurra pra ação, que dá vontade de ouvir, de ver, dá curiosidade, que amedronta, que faz querer muito, e muito, e muito, e muito, que brota que gera que cria, que cicatriza e(é) marca, em que tem tanta, tanta beleza e tanto contrário.
 

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Chove muito, o som da janela avisa que meu time faz gol, o Alckmin me dá asco, as madrugadas são longas, escrever às vezes dói - inclusive literalmente.
 
que passem ventos pelas portas abertas.
 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

criança que ri homem que foge um que reclama moço que assusta nova velha anão cadeirante bêbado braço cruzado olhos abertos cadeira gargalhada chão ao contrário trem apertado espaço aberto as peles sorriso sortido mãe vó tio filho grupo ignora apaixona passa enquanto espera enquanto passa entra sai jogo inteiro.
 

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

silêncio quando som
silencioso som só sem nada
silêncio só
sou sim somos som
sei
 

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

"Todo abismo é navegável a barquinhos de papel" (G. Rosa), tanto quanto "Poesia é voar fora da asa" (M. de Barros). Dos presentes que se ganha quando o público também diz.
 

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Minha tartarugA, que quando já tinha uns 10 anos descobri que era um tartarugO, acaba de botar um ovo gigante e comê-lo em seguida, o que me faz voltar a pensar que é mesmo uma tartarugA. Viva Esmeralda desafiando constantemente a definição de gênero!!