quinta-feira, 30 de julho de 2015

No fio invisível entre fragilidade e força. Linha rasteira que às vezes rompe, as vezes dilata, às vezes chicoteia. Tem vazado como torrente, penetrado as escolhas, sido às vezes trovão, outras recolhimento. As coisas da vida-instante escapam das mãos, o tempo vai à frente, enquanto os dias não me respondem. Que o ar seja suficiente.
 

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Tem aqui uma ansiedade pra fora pra fora uma coisa que quer sair vomitar como ânsia tremor e eu à margem do espaço que não tem tamanho certo a mão não obedece o punho a cabeça esvaziada vazando tudo isso que não tem nome engulo de novo pra sair não tem porta sem ser por lugar nenhum que eu conheça uma fragilidade explodida em mim sem corpo sem contorno sem força o eu sem nome como buracos eu inteira buracos em volta onde vai ser pra pisar um buraco que não tem nome também espalhado em todos os pensamentos enquanto o corpo pensa o buraco se move ao redor.

escrita automática
experimentos pela anatomia do movimento - letícia sekito . Abissal . iN SAiO Cia. de Arte
        

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Engolir engolir ir pra dentro do que expele expelir como gota escorrendo sangrando gerando para cima e em seguida tem como um líquido meio pastoso com cor de sangue caindo pelas paredes parece que sai dos espaços do teto e escorre como vazamento aí vai passando pelo chão e começa a suar e a soar e a suar mais profundamente e volta a ter cor de sangue e a engolir e puxar como ralo vácuo vácuo vácuo eco som de eco de fora pra dentro eco vácuo engolindo o som o sangue os objetos engolindo o mundo para gerar outro engolindo a mim para gerar outra eu outros seres expelindo entregando suando o mundo cor de cobre.

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experimentos pela anatomia do movimento - letícia sekito . Abissal . iN SAiO Cia. de Arte
      

terça-feira, 21 de julho de 2015

que basta uma referência pequena, minúscula reexistência passageira, basta um nome, uma imagem sugerida, basta uma menção indireta, e o mundo se dissolve por segundos para virar ao mesmo tempo aperto e estouro, para virar ao contrário, para se revirar, para depois virar-se de volta à face desvirada - aquela mesma, avessa por si só.
 

segunda-feira, 20 de julho de 2015

De manhã o café quase acabando de passar, um instante e espalhou pela cozinha inteira. Tem dia em que o dia começa assim, com cara de metáfora.
 

domingo, 19 de julho de 2015

O lugar é mais que espaço. Que ser espaço é mais do que terreno e construção. Ali é memória de tempos, resgate de histórias, retorno de gentes, regresso das funções multiplicadas pelos contextos uns, outros, alguns. Onde eu soube chegar desde com pequenas mãos dadas até as próprias pernas durante anos de estar(es). Tem cheiro próprio, dessa vez igual mas não. A cor de tijolo, que domina em parte mas é como se fosse tudo, reconstrói em mim casas antigas, translúcidas, mais internas do que evidentes, dessas que só se vê quando não se está mais. Ou quando se está de volta. Ao mesmo tempo re-estar e vermemória, e sou-eu-hoje-todas-as-outras-de-mim, sobrepostas, umas maiores que outras, e outras mais opacas que umas, e nem uma nem outra mas também; seguinte.
 

quarta-feira, 8 de julho de 2015

O primeiro silêncio foi encontro. O segundo silêncio foi contato. O terceiro silêncio foi surpresa. O silêncio seguinte foi conexão. O outro silêncio foi latejo. O silêncio então foi incandescência. O silêncio depois foi espanto. O ... foi lacuna. O próximo silêncio não se sabe; este está mudo.
   

domingo, 5 de julho de 2015

Respeito, mesmo, o susto de todos os que já foram agredidos por menores (ou maiores) de idade. Respeito o luto dos que viveram perdas definitivas por conta de que tipo de violência for, inclusive pelas mãos desses menores. Mas respeito em escala imensurável o luto dos que perderam seus menores nas periferias, e como são muitas essas perdas, e tantas, e muitas mais, e quantas gratuitas. Mas estas não aparecem quando se discute a redução da maioridade penal, e enquanto não se admitir que esse tipo de criminalidade é uma questão social, não sairemos do lugar. Ou melhor, sairemos, rumo a um país cada vez mais violento, racista e discriminador.

Uma das grandes confusões que se faz nessa discussão é achar que quem é contra a redução "defende a impunidade". É o contrário. Impune é a sociedade que permite tamanho desamparo. Não adianta pensar que "querer é poder", simplesmente porque o mundo capitalista é construído para a desigualdade. Não há como todos terem as mesmas condições, porque o lucro de um depende da exploração do outro. Simples assim: é o capital quem manda, e em nome dele vale tudo. Há quem manda e quem obedece, há quem pode estudar e quem não pode, há quem come e quem passa fome, há quem tem o direito de viver dignamente e quem tem o dever de aceitar que seu esforço e seu trabalho valem menos (muito menos), porque afinal, a vida é assim mesmo.

Estão, ou vem das periferias, muitas das principais pessoas com as quais eu convivo, amo e/ou admiro (seja pelo contato direto ou por saber da sua militância) e eu seria no mínimo ignorante e preconceituosa se achasse que essa não é uma realidade possível. Aliás, é nessa força que eu acredito e confio em primeiro lugar e é por essa potência que eu escrevo. Várias dessas histórias ainda se reforçam justamente por conta das possibilidades (dizer o óbvio) de educação e cultura, e de convívio, e de reflexão e senso crítico por diversos caminhos, e de expressão e empoderamento (especialmente por iniciativa popular). E há histórias, inclusive, de reabilitação e ressocialização sem as quais várias trajetórias teriam sido diferentes. E é justamente por saber que é assim que continuo acreditando que o rumo a ser tomado precisa ser outro, diferente da escola de bandidagem que é o sistema carcerário tal como se apresenta.

No entanto, está posto que no mundo em que vivemos não há (e isso há séculos) espaço para todos os que "querem escolher". Não ter espaço inclui não ter inclusive a perspectiva de que esse espaço possa existir, ou ser alargado, ou ser conquistado por direito. Principalmente quando ele é subtraído desde o nascimento.

E aí isso significa que todas as ações estão justificadas, e que jovens que cometem crimes devem ficar impunes e livres pra continuar reproduzindo esse comportamento? Não. Em primeiro lugar eles deveriam era ter uma vida que abrisse as portas pra outros modos de ser, e isso parece óbvio. Mas vamos partir da sociedade falida que já temos, e eles já estão na rua e no crime: um adolescente nessas condições não fica impune. Desde os 12 anos ele é recluso, só que em sistema diferente. E acredito profundamente que eles precisam ter o direito a esse outro formato de reclusão para que se aponte para eles outras perspectivas, e não no meio de adultos diplomados no crime onde vão aprender a ser cada vez mais perigosos, porque não há nada diferente disso na cadeia. E uma hora eles saem (ainda que, por vezes, muito depois de já terem cumprido suas penas, num sistema lotado e falido que não dá conta dos próprios processos). E não saem de lá pra estudar e trabalhar. Né?

O crime é uma escolha? Tá aí o Eduardo Cunha, por exemplo, nos provando que pode ser que sim. Criminoso, defendendo seus interesses por meio de uma manobra inconstitucional - e em nome de deus. O ser humano sabe ser peverso também. E olha que provavelmente o Cunha nunca passou fome, nem foi discriminado, nem nunca deve ter sido agredido pela polícia nem visto parentes e amigos serem mortos "a priori" (tipo: atira e depois pergunta). E que bandido feroz ele se tornou. Mas, voltando à população à qual essa medida se dirige prioritariamente, nada me convence de que a sociedade é feita para todos e que a índole é que define os rumos de qualquer cidadão.

Se vivêssemos numa sociedade não-excludente essa discussão nem seria necessária, porque a criminalidade existente por conta dos seres "naturalmente perversos" seria provavelmente muito específica. Uma vez que não é assim, se quiséssemos realmente diminuir a violência (e não aprovar uma medida para estimular o lucro com a construção de presídios), os programas de reabilitação existiriam de fato (para adolescentes e adultos) - e acreditaríamos que essa reabilitação é possível. Se não vivêssemos num mundo racista e discriminador, o genocídio que acontece nas periferias seria uma aberração. Quer dizer, é uma aberração. Mas uma aberração que está naturalizada e às vezes ainda aparece com cara de justiça. Nada pior. Quantas vezes já ouvi adolescente dizer que, quando crescer, quer ser policial (ou bandido) pra poder mandar em tudo e todos? E não é porque viram filme de ação. É porque veem isso nas suas ruas, nas suas casas. A reprodução do comportamento de poder e repressão é séria, muito séria. Quem vive ou convive nas quebradas das cidades sabe que por lá a polícia já mata sem precisar do aval da lei. Impera uma espécie de autorização tácita para matar. Nascer imerso na violência é uma forma de se construir o mundo. Não dá mais pra fingir que não vemos isso.

Além disso, não duvido que a porcentagem de menores que cometem crimes hediondos vá subitamente "aumentar" pelos crimes forjados, nos testemunhos que afirmarão que "sim, foi esse daí", e mesmo a falta de necessidade de testemunhos e certezas, porque é mais um moleque "preto, pobre e vagabundo" que por via das dúvidas a gente já isola da sociedade. Já encarcera mais cedo e vai limpando a rua dessa gente. Armas e drogas plantadas pela polícia tem aos montes. Adoraria que fosse chavão ou exagero, mas não é. Fora o aliciamento de menores ainda menores pelos criminosos que os usam como ponta de lança. Tragédia.

E então surgem os comentários lugar-comum: "ah, você acha que eles são 'coitadinhos', 'indefesos"'. Não acho e não gosto dessa ironia. Eles aprenderam a ser bandidos e cabe à sociedade pagar sua dívida escravocrata em busca do contrário, ao invés de clamar para que se acomodem em condições miseráveis. Esse pagamento vai no sentido de propiciar uma sociedade (utópica?) revolucionária. Que comece pela extinção da miséria e dos preconceitos todos, pela extinção da fome, por educação e saúde não sucateadas e que passe pela reabilitação no crime, também.

Talvez o congresso, reacionário como está, aprove mais essa manobra porque pode estar interessado em muitas coisas, mas nenhuma delas se alinha de fato com a diminuição da violência. Se isso acontecer saberemos os frutos, e será um desastre considerável que tenhamos que pagar pra ver. Não torço por isso, prefiro ficar sem as provas concretas de que esta será uma contribuição para agravar o que já está sério demais.

Desejo aos menores que já existem, e aos menores que ainda vão nascer, e aos menores que já são maiores, um mundo onde possamos olhar uns para os outros, ao invés de nos escondermos.
     

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Ódio plantado por quem sabe exatamente o porquê de fazer isso. Ódio alastrado como uma grande campanha publicitária muito bem arquitetada, convencendo multidões. Acredite que é pra diminuir a violência. Acredite que foi deus quem disse. Acredite que existem aqueles que nasceram mauzinhos (desde que sejam os outros, e não exatamente esses: os espalhadores do ódio). Acredite que quem se esforça é recompensado porque o mundo é um lugar lindo e justo, com espaço pra todos os bons cidadãos. Enquanto tanta gente acredita, uns tantos espertos-sem-caráter vão engordando suas contas, seus acordos e seus poderes sujos por tanta crença infundada, distorcida, tanta compreensão torta, tanta fraude assassina.
 

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Meu corpo é vibração. Ausência no profundo do sangue, que corre esvaziado de alguma microparticulaessencial que procuro todos os dias em lugares que não sei. Por um sentir-me-sempre-o-tempo-inteiro, sou sensação que se impõe em estado intermitente de avisar: isso. Quando pequenos pulsos diários, os olhos percebem o mundo como cenas estroboscópicas só minhas iluminadas por contrações involuntárias. É estar paralela e transversal enquanto as partes caminham pra dentro em impulsos de descordenação. Meu corpo que eu sou obedece àquilo que nóseuele não entendemos. O que se arranca leva junto raízes essenciais. Cabe reconstrução.