quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Para minha filha. Para que você saiba que a espera é desde tanto. Que talvez eu tenha dito poucas palavras desde que você virou organismo que respira dentro do meu, sangue que compartilhamos, pulso, forma, pequena pessoa em movimento de vida. Quando você se tornou existência, um pouco eu emudeci. Acho que emudeci de grandiosidade e incompreensão. Por tentar apreender o significado de um fluxo tão natural quanto impalpável, do tamanho do que não cabe no entendimento. Eu inteira dilatando, você crescendo, você me crescendo, você mexendo nas cores do meu corpo, na minha respiração, no meu estômago, nos lugares, nos estados, nas expectativas, nos choros, nos sustos, nas ternuras, nos medos, nos tempos, nos pesos, nos apegos, nos espaços abertos pra te receber. Seu rosto surpresa e você tão presente, tão guardada, tão revelada em cada empurrão, soluço, onda, passagem, em ser, você que quase escondida já é como se sempre tivesse sido, você que tudo tão rápido. Eu olho pra fora e espero que você sempre simplesmente seja. Que os desejos que te preencham sejam os seus, e que eu saiba te olhar muito e profundamente. Que do mundo às vezes tão diferente da sua potência de vida surjam mobilidades, germinação de cores, que o mundo respire melhor para e com você, que vem na intensidade que é ser mulher. Aqui, presente e futuro se fundem numa dimensão mista. O que será já está sendo, enquanto hoje acontece o que é, ao mesmo tempo, projeção. Vio, Tita, é tudo novo, eu nunca soube, você talvez saiba, eu que consigo nomear tão pouco me divido em muitos feixes de sensações translúcidas. Você e eu só temos a certeza de que em breve seremos o que ainda nem alcanço, seremos olhar, toque, cheiro, seremos novo ciclo. E outros. E infinitos. Quando você souber que é a hora, vem mergulhar, Violeta.
                       

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