quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Eram dois cãezinhos. Conheceram-se entre muitos e muitos cachorros de um canil público, frequentado por cães com habilidades específicas, quase artísticas, até. Viram-se. Guardaram-se na memória. Farejaram mais um pouco, aqui e ali, e tornaram a se ver meses depois; quase instantaneamente, a vida tratou de abraçar forte um ao outro. Colaram-se voluntariamente pelo lado de dentro, os cãezinhos. Traziam consigo tantas histórias: bonitas, difíceis, não resolvidas, estranhas, engraçadas. Dividiram todas, ou quase todas. Descobriram-se muito, mas não completamente, porque completamente nem tem como ser. Planejaram encontrar um quintal com casinha de cachorro para dois. Para três. Para mais, quando viessem os outros filhotes. Planejaram surpresas que ainda nem foram reveladas, planejaram planejar coisas que ainda não sabiam o que eram, mas uma hora saberiam. Vez ou outra a proximidade fez rosnar, machucar, fugir, provocar do jeito que só cachorro sabe fazer. Do cão e da cadela, o lado de fora tentou ir mas o lado de dentro queria ficar. Chegou o ciclo em que houve muitos dias e noites em que estiveram sozinhos, esparramados com cara de cachorro sem dono. Outros dias saíram pra brincar como se nada tivesse acontecido. Outras vezes se divertiram cada um em seu canil, cada um na sua rua, cada um se virando com seu faro e seu instinto. Cachorro também sonha e acorda repentinamente, na madrugada, buscando rastros, farejando aqui e ali. Às vezes ia ele farejar a porta, à espera de que ela chegasse. Às vezes era ela que subia no sofá para olhar pela janela, quem sabe se... Nos passeios diários de cada um, trombavam-se às vezes nas esquinas. Trocavam latidos curtos. Alguns latidos eram mais agudos que outros, daqueles que fazem sangrar um pouco os ouvidos. Outros eram necessários. Outros latidos eram meio roucos e, embaralhados aos sons caóticos da cidade desses tempos, tornavam-se quase incompreensíveis. Cheiravam-se e iam embora, mas seus coraçõezinhos de cachorro despertavam sempre. Um dia, já faz tempo, ele latiu baixinho uma coisa a ela. E depois, sem que ele saiba direito, ela latiu uma coisa a ele: não me despeço, porque o que existe aqui dentro é muito forte.
Abanaram o rabo e seguiram abraçados, de alguma forma.
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
convite, virar comigo, virar o ano e os dias distantes,
virar as estranhezas tropeços solidões faltas saudades.
dessas inevitáveis, virar o sentí-las sozinho;
das que são nossas, novos anos e paz adiante.
um pedaço daqui de dentro está agora na estrada,
vai levar e buscar
abraço disparado em silêncio, sorriso,
convite, de novo.
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
domingo, 26 de dezembro de 2010
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
que quer dizer eu te amo, pra que saudade voluntária
história declarada e escolhida para a distância, projetada para o passado
rodeada de pretextos incertos e esfumaçados, o que são?
há os significados que se misturam.
faço pensamentos de todo dia resolver e aliviar
e olho para frente com os sorrisos que ficam em algum espaço
domingo, 12 de dezembro de 2010
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Projeto Mov'ola | estudos para CHrom.Aqui
A relação entre movimento e conceito começa a ser discutida como foco importante. Qual, ou quais, idéias acompanham, fundem-se ou estão intrínsecas à criação coreográfica? O que pretende esse trabalho, no momento em que encontra o público?
Pelas beiradas da sala de ensaio, fala-se sobre discutir as relações com a cidade e o tempo atual. Quantas camadas simultâneas de informação absorvemos e propomos nos espaços contemporâneos que habitamos? Camadas de compromissos. Camadas de horários. Camadas de ações. Conseguir ou não conciliar tantos olhares. Espaço-lugar(es) / Espaço-tempo(s). O paradoxo inevitável: vivermos imersos na velocidade e multiplicidade das informações (potencializadas pela tecnologia e sua presença cada vez mais abrangente), ao passo que por vezes conseguimos muito pouco tempo para muita coisa. Correr atrás de ter tempo para a vida. Quais tempos carregamos no corpo? Quais tempos são reais, e carregam valor e sentido verdadeiros em nossos percursos? E quanto, e quais, são tempos de ações fictícias ou distanciadas de nós mesmos?
Chroma Key: ambiente neutro, onde o espaço real pode ser recomposto por ambientes preenchidos de ficção. CHrom.Aqui: pela metáfora do espaço inicialmente imparcial, preencher a cena com camadas de imagens e movimento.
Este é o começo.
. Posso fazer companhia?
. (penso: ai!) Ahan.
. E aí, qual a próxima maratona do dia?
. Estou só fazendo hora e vou trabalhar.
. Ah, sei!
. Sim, vou mesmo.
. Então, deixa eu adivinhar: você é psicóloga, ou psiquiatra, e vai dar palestra no AA, ou coisa assim.
. Não, vou dar aula.
. De quê? Rede pública acho que não. Crianças não, também. Difícil...
. Dança.
. Ah, dança! Que dança?
. Contemporânea.
. Nossa, o que é isso? Você falando "dança contemporânea", só consigo pensar numas pessoas vestidas com umas perucas do Rei Salomão, se mexendo meio assim...
E agora, depois das perucas do rei Salomão, como explicar...???
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Projeto Mov'ola | estudos para CHrom.Aqui
Extensão do palco em suporte virtual, aqui poderão ser visitados fragmentos, em vídeo, do espetáculo preparado para o espaço cênico. Trechos, clips, teasers, materiais editados: olhar tecnológico e audiovisual referindo-se e transformando a criação coreográfica das salas de ensaio e apresentações.
Na íntegra, o trabalho será criado para ser visto ao vivo. Aqui, outro suporte, a matéria da dança se transforma e recria tempo, dinâmica, cortes e possibilidades visuais de acordo com os recursos e necessidades do fluxo virtual.
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Imagens levam para outro tempo, mesmo que tão presente quanto este. Crianças em casa de todo mundo. Casa de brinquedo, casa de música, casa de recriar. Histórias e trilhas sonoras, árvores e contos de vida. Novos vocabulários. À distância, universo que não conheço e que posso imaginar de forma fantasiosa ou equivocada ou real ou sensível ou parte de mim ou de todos ou só mais um lugar com algo a mais; não é só mais um lugar. Ritmo em cores de terra batida e sorrisos diversos, internos. Profusão difusa de gente dissolvida por alguns minutos, num encantamento de serenar calor. O som trazido no quase escuro são vontades à parte, e além; suspende mais uma vez o espaço e leva a outros caminhos. Procuro palavras, impossibilitada de fato de descrever sensações profundas. Os olhos imensos inesperados, rara presença e raras palavras. O sem jeito das poucas conversas, terreno incerto, ainda mais colorido do que as imagens exibidas antes. Surpresas de caminhar.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Projeto Mov'ola | estudos para CHrom.Aqui
Dessa forma, será traçado mais um viés da pesquisa do projeto CHrom.Aqui: a partir da observação dos estudos práticos para composição do espetáculo, serão elaborados textos que refletem e reconstroem poeticamente o percurso traçado. Esse material produzido pode, ainda, voltar à sala de ensaio e interferir na continuidade do processo. Os textos produzidos nesse contexto serão postados regularmente no site do projeto, em paralelo ao desenvolvimento em sala de ensaio. Trata-se de mais uma camada do trabalho, complementar à experiência cênica - tornando-se portanto, por si só, parte do resultado da pesquisa proposta.
O material produzido pretende ser poético e subjetivo, abrindo diferentes possibilidades de leitura e compreensão - lógica e/ou sensível. Utilizando-se da perspectiva de criação de múltiplos sentidos e imagens por meio das palavras, novos caminhos podem ser apontados no projeto, numa contribuição mútua entre movimento, tecnologia e experimentação literária. Com isso, expande-se a dança e suas possibilidades de visualização, também, para o suporte virtual.
O olhar voltado para a pesquisa estará presente o tempo todo. Isso se dará tanto na releitura da dança por outro formato artístico (literário), quanto no desafio de ser provocadora de questões a partir dessa composição de palavras.
Transformar, descrever imagens, propor, abstrair, questionar, aprofundar sensações. Compartilhar esse material por um meio que pode ser acessado por muitas pessoas, em qualquer lugar do mundo, propondo diferentes relações do(s) público(s) com a(s) obra(s). Suscitar imagens, ritmos, dinâmicas, fluxos, sonoridades e quantos outros elementos puderem compor uma escrita em movimento.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Dia assim, sem dó. Todas as suposições. Lembranças apertadas nos cantos da não-manifestação levantam aos poucos os olhos, espiam os espaços, as estradas, os horários. Tanto a compartilhar e falar e ouvir, mas dizer ou não dizer dá em coisa alguma, entre textos indecifráveis e pretextos incertos. O chão torna-se móvel e atravesso, equilibrista de vontades e verdades e não verdades, mirando os próprios impulsos de refazer. Contagem regressiva adiante. Equilibrista de novo, e atravesso diferente, no cuidado com cada pétala, entre as escolhidas, guardadas junto às palavras, quando as palavras faltam. Não são só minhas, talvez, mas escorrem líquidas, vez ou outra, para lugares de silêncio.
domingo, 21 de novembro de 2010
terça-feira, 16 de novembro de 2010
tempo... e vida... (J. S.)
nas outras terras. aquelas próximas de onde só conheci uma lasca, um quase nada. de onde poderia descobrir sons, idiomas, gentes, movimentos, paisagens. climas. do alto dos seus oitenta e mais anos, aquele olhar sereno de quem não faz esforço para dizer as melhores palavras, escrevê-las com amor - e para o amor - e me fazer querer estar lá perto, ao seu lado, só um pouco, ainda que, agora, impossível para sempre. as janelas de avião e estradas com mais ou menos velocidade me despertam saudade da viagem repentina e curta. os nomes um do outro pronunciados tantas vezes e eu, distante e espectadora, querendo que aquela história não terminasse nunca. assim como tantas outras histórias. inclusive minhas. chorar de admiração faz bem.
sábado, 13 de novembro de 2010
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http://www.insaiociaarte.blogspot.com/
www.facebook.com/insaio
teaser: http://vimeo.com/16768421
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Remeto-me ao tempo/texto de março, sete meses depois. Lá, tentamos. Muito ou pouco, entramos todos agora num espaço de suposições infinitas e sem respostas. De 1993 a 2010, a vida adolescente de lá atravessada por mais de quinze anos; imagem de hoje que não assimilo, as vozes amigas cúmplices nessa gigante interrogação. Fica a história de tantas descobertas, criações, belezas, palcos, risadas, textos, fotografias, escolhas de uma época em que parecíamos para sempre destinados inevitavelmente a sermos felizes. Hoje, tristeza e espanto. Silêncio.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
caminhar até reconstruir perceber surpreender
histórias se cruzam com as ironias das memórias gestos tempos anos
retornos de vozes, olhares distantes imaginados
triplos sentidos aguçados
sonhos múltiplos
prevejo movimentos não identificados de dentro de mim.
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Para além da próxima escolha eleitoral, fico impressionada com tamanho furor que ainda causa qualquer proposição a respeito da legalização do aborto. E, mais ainda, com o tanto que isso envolve de maneira tão direta e incisiva as correntes religiosas com decisões políticas. Será mais um holofote camuflado pelo discurso do direito à vida, ainda que seja absolutamente sabido que as mulheres que de fato optam pelo aborto o fazem, proibido ou não, nas condições que puderem, mesmo que isso custe sua saúde ou sua vida?
Imagino que abortar não seja uma festa. É quase patético imaginar que a legalização transformaria uma escolha tão forte e marcante, corporal e emocionalmente, numa prática usual e banalizada. Quem opta por não fazê-lo por razões religiosas, que siga suas crenças e respeite-se nesse sentido. Mas não pode mais ser o estado (laico??) o responsável por mais essa decisão.
Imbuída inclusive de um desejo arrebatador de ser mãe, lamento profundamente ainda estarmos no tempo em que se acredita que temos o direito de decidir pelo outro. De proibir pelo outro. De escolher por alguém sobre assuntos absolutamente pessoais, em determinado âmbito, e que por outro lado revelam e reforçam visões públicas de segregação, conservadorismo e cheios de poeira por baixo dos tapetes.
Deixemos então que adoeçam, morram ou sejam presas as mulheres nas clínicas, quartinhos e cantos clandestinos. Que seja negado mais um direito de escolha, cercado da hipocrisia de uma sociedade que sabe que suas oficializações não regem, de fato, o comportamento de boa parte de seus cidadãos - uma vez que buscam dar a si o direito de escolha sobre suas próprias trajetórias.
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Fissura alargada a cada tentativa de onde já prevejo o silêncio, mas ainda espero o som de vir, ou de me deixar ir, de perto, de perto, de perto; a fissura se desenha pelo corpo em cores mil, algumas insônias, imagens embaçadas nas suas ausências, nos espaços perdidos que não sei nomear; essa ansiedade que me faz conferir a não-presença a cada instante, os olhos na tela irreal, esperando sinais que chegam quando acho que não virão mais, os vãos se multiplicam de dentro de si, espelham-se na madrugada e se camuflam mal quando amanhece; pulsam por baixo dos dias práticos, e agitam-se sem meio termo na vida real das vontades e interiores daqui.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
esperava por aquele-esse dia como quando criança esperava o dia da excursão, a mesma ansiedade dividida entre boa e insegura, porque os acontecimentos, mesmo, só se sabe depois que são; e aquele-esse dia já estava porque tinha passado da meia-noite: pro pedaço do dia que aguardava com todo o corpo, na verdade ainda faltava quase um dia inteiro, e era uma espera desenhada nos compromissos, nas vontades, nos sins e nãos e nas coincidências - fossem elas coincidências ou mais que isso; e era daquela espera que trazia reações, ritmos, alterava o pulso e a passagem do tempo, um tempo sempre incerto, distendido nos sumiços de um dia, reconstruído nos encontros nas esquinas, preenchido de lacunas
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lembrei pelo resto do dia do aglomerado paulistano, proximidade inevitável, se é que havia o que evitar, e da surpresa tão rápida quanto delicada, transparente e própria só de dois, deixando rastros na velocidade, com gosto de algo que conheço mas descubro melhor, e procuro no mundo até onde meu pensamento move os círculos ao redor.
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
.vinte e quatro horas e mais vinte e quatro horas vezes três texto pronto salvo contato o texto guardado notícias e combinações descombinadas na prática mais vinte e quatro horas impressionada começa a restar pouco revivo realidades aqui não reconhecíveis até então entendo pouco ou entendo tudo o que há horas e dias sem saber por horas e horas.
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
caminante, no hay camino, / se hace camino al andar.
Al andar se hace camino, / y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca / se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino, / sino estelas en la mar
Caminhante, são teus rastos / o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho, / faz-se caminho ao caminhar.
Ao andar faz-se o caminho, / e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais / se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho, / somente sulcos no mar.
(Antonio Machado)
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
Uma bomba explodindo por aqui Pedaços espalhados pelo espaço sem que haja tempo de entender Essa noite o planeta deu uma volta em apenas alguns segundos e em seguida o tempo passou arrastado como nunca Ânsia Ânsias Ansiedades e sufocos, pouco ar pra muitas questões Vontade de controlar as energias todas e resolver as situações plantadas sem sentido e sem paz A sua vida tornou-se minha A sua busca tornou-se minha Nunca fui tão clara sobre isso mas é assim Quatro anos, quase (parte deles conheço por história) e o limite da suportabilidade Amor querendo acompanhar Procuro uma fresta para estar perto Procuro e encontro a presença nas coisas que nessa madrugada ficaram naquele espaço que também é um pouco meu Duas páginas de palavras saíram bagunçadas, são para nós Fiquei pequena perto de uma imensidão que me engoliu Hoje pela manhã caí numa cidade cheia de estranheza e vazia de significados, como eu.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
terça-feira, 24 de agosto de 2010
...das imagens do edifício... ...e as perguntas...
Nos corredores: branco sujo, bege claro, penumbra não provocada - efeito de lugar sem luz. Do lado de dentro de cada porta: cores variadas, luz inteira, fachos de luz, luz de abajur, nada monocromáticas. A cidade do avesso das janelas só é adivinhada e descrita. As histórias me pinçam, os olhos e vozes que contam de si, verdadeiros e contraditórios, expostos às telas até sabe-se lá de que mundos, vindos de dentro de suas próprias casas.
Quem pode habitar cada espaço? Quem decide? Quem escolhe pelas limpezas, pelos critérios de limpeza, por haver critérios para limpeza, por haver limpeza?
O nojo pela sacola de falso dinheiro devolvido, mas guardada firmemente em lugar sabido, preenchido pelo pacotinho pardo de papéis amarelos sem valor, e o apego a ele tanto quanto à lembrança do medo.
De Lupicínio a Sinatra, as vozes que... Saudade I've lived a life that's full Não se esqueça também de dizer I traveled each and every highway Que é você quem me faz adormecer And more, much more than this Pra que eu viva em paz I did it my way... recuperam em mim os arrepios de ouvir música.
Mais de uma vez, menção a “se atirar pela janela”. Histórias concretizadas. Histórias interrompidas. Histórias desistidas, dependendo do ponto de vista.
Histórias que tornam-se naturais, ainda que o sorriso infantil só trabalhe embriagado.
Elevador. Quadrado transportador. Ouvido das paredes. Verticalidade em movimento contínuo, apinhamento das cidades. Para cima, cada vez mais canalizados, nós.
Olhos perdidos pronunciam um diagnóstico simples e óbvio, não sei se são pessoas demais ou calçadas muito estreitas, ou a fusão desagradável desses dois elementos - completada por outra voz, andar mais acima ou mais abaixo, não é a diversidade, é o número opressivo. E a imagem surrealista e nítida, reconhecível, conviver com a vida das outras pessoas entrando pelos vãos. Nem quero, mas espontaneamente vejo vidas como lavas, moldando-se à estreiteza das soleiras das portas, dos vazamentos das janelas, invadindo-se umas às outras, interferindo, participando. Quem sabe até convivendo, dissolvidas.
As estruturas iguais se repetem a cada andar, como cópias amontoadas, ou sobrepostas. A fôrma é a mesma; o tanto e o como se preenchem é que criam mundos absolutamente distintos. Moro em prédios desde que nasci e, vez ou outra, observava os espaços vizinhos com este pensamento. Eram tão outros lugares, ainda que as paredes se desenhassem iguais às minhas. Só as paredes. Quem cria o espaço, e o caracteriza, e o particulariza? Suas histórias o preenchem? Quanto tempo leva para dissolvê-las de seus locais de origem? Quantas histórias cada espaço habita?
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Escutar, agora, mais do que propor. Ir para o final da fila (...de cada fila...) e desafiar os espaços de dentro e de fora. Experimentar os olhares ainda em entendimento, as suspensões no tempo, os pesos e passagens desde sempre em reconhecimento. Amolecer, repetir o amolecer, repetir o soltar, repetir o ser leve, o tão difícil ser leve. Depois de tanto tempo, as lágrimas de sensação - aquelas que são do bem. Reaprender o convívio, as gentes, os termos, as formas de ver e sentir e entender e fazer dança. Sentir saudades. E aprender, principalmente, a se apaixonar por aquilo que se faz quando se começa do reverso.
quinta-feira, 22 de julho de 2010
sexta-feira, 9 de julho de 2010
sábado, 3 de julho de 2010
quinta-feira, 24 de junho de 2010
terça-feira, 22 de junho de 2010
PROFISSÃO REPÓRTER / 22-junho-2010
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Algumas pessoas realmente deveriam ficar pra sempre por aqui. Pena.
"(...) aquele era nada mais nada menos que o meu primeiro balão em todos os seis ou sete anos que levava de vida. Íamos nós no Rossio, já de regresso a casa, eu impante como se conduzisse pelos ares, atado a um cordel, o mundo inteiro, quando, de repente, ouvi que alguém se ria nas minhas costas. Olhei e vi. O balão esvaziara-se, tinha vindo a arrastá-lo pelo chão sem me dar conta, era uma coisa suja, informe, e dois homens que vinham atrás riam-se e apontavam- me com o dedo, a mim, naquela ocasião o mais ridículo dos espécimes humanos. Nem sequer chorei. Deixei cair o cordel, agarrei-me ao braço da minha mãe como se fosse uma tábua de salvação e continuei a andar. Aquela coisa suja, enrugada e informe era realmente o mundo."
"Tu estavas, avó, sentada na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para céu que nada sabias e por onde nunca viajarias, e disseste, com a serenidade dos teus noventa anos e o fogo de uma adolescência nunca perdida: "O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer". Assim mesmo. Eu estava lá."
(José Saramago)
terça-feira, 15 de junho de 2010
terça-feira, 8 de junho de 2010
sexta-feira, 21 de maio de 2010
quarta-feira, 12 de maio de 2010
domingo, 9 de maio de 2010
Se pudesse, explicaria os impulsos. O repentino das palavras, embora saibamos do tempo que levam para tomar forma. Do brusco silêncio de proteção de dois, de deixar para nós o espaço para que cada dia chegue à noite, sempre mais apertada e fria. Explicaria sobre sentir, e explicaria a ambos, para que nos fizesse algum sentido. E aconchegaria as solidões, e traria a calma de que era assim, ou não seria - assim, como quem acorda de repente impulsionada pelo próprio medo. As poucas palavras espalhadas, leio, sabe, e são precisas entre tanta poesia. Perda. Ar.
quarta-feira, 28 de abril de 2010
curto, quase nem era
grito, e de repente. Queda,
o vermelho pela calçada. Fissuras
em trevo
no topo da cabeça. A menina
pequena tirada às
pressas, olhos estalados sem compreensão: a seu lado
no segundo anterior. Pensamento
buscando solução rápida para a imagem
estendida no tempo, o tempo dilatado ao mesmo
tempo que instantâneo. Pergunta
óbvia, resposta óbvia. Algum som e
o rio, fio vermelho, ação desconhecida,
instantes, alguém ao telefone. Rápido
agrupamento em torno, sempre
há. Coração disparado, indefinidamente
sem saber o que foi. O caminho seguiu-se enquanto corria
o rio vermelho.
Horas depois, mais
nada
na
calçada.
segunda-feira, 19 de abril de 2010
sábado, 17 de abril de 2010
terça-feira, 13 de abril de 2010
C. Cultural Diadema - Teatro Clara Nunes
Entrada Franca
http://www.youtube.com/watch?v=TVQg-oOKf5s
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Morros molhados, gente de chuva, corpo de terra,
sentido único, para baixo, sob,
imagem reincidente, aqui e lá, dias submersos
avesso de planeta, gravidade sem resistência
crateras de tudo em destroços
pedaços de vida
abrigo, colagem e reconstruções,
sexta-feira, 2 de abril de 2010
Tinha palavras que despencavam pra lugar algum. Palavras de cera, papel, papelão, palavras duras de madeira antiga, que derretiam ao som das outras, virtualmente escritas. As suas, de antes, desfaziam-se em moléculas líquidas, pelos olhos incertos, sempre incertos, como que estrábicos interiores. Espaços de saudades muitas, teias e fragmentos. Palavras que saltam antes, sussurros ou gritos, matérias de ar. Madrugadas emaranhadas em travesseiros sem sono.
Qual é a desordem por aqui? A desordem de fato, a verdadeira, não a que aparece no lugar. Desordem daquelas de sangue e fungo, de corpo e incômodo, tem bula que assusta e insistindo resolve, ou disfarça. Mas cápsula pra outro lugar, de se entender, de raiz, cor/ação, de verdade, é poema não escrito, palavra que não existe, que vai sentir quando o resto der espaço.
quinta-feira, 1 de abril de 2010
segunda-feira, 29 de março de 2010
Pequeno barco de fogo pelas águas compridas.
Correnteza forte carrega folhas de bananeira dispostas na forma de tradições milenares. Corre a chama-correnteza, fogo de luz, da noite entrar no dia na hora exata de sempre. Barquinhos vários, fogo em círculo, em cantos, em cânticos, em conchas soando limpas nas margens degraus das águas geladas, correntes pras mãos segurarem. Luz de fogo de proteção, ritual e crença ou imagem, linda imagem por si, onde embarcam histórias solúveis ou não nas chamas dos deuses, olhos das gentes, águas de luz.
domingo, 21 de março de 2010
A vida me espanta. Espanto para-pelo incompreensível. Imagem que não vi fotografada na noite de sono dífícil. Quem fica, como fica? Envolvimento não-meu, busca de sentido, encontro como cumplicidade humana. Saber como (des)anda o interior de qualquer ser? Nem sempre se conhece todo desespero. Que a escolha seja paz, na forma vaporosa que for, ilusória ou concreta, real.
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Aquela criança, pequeno menino, mais-que-especial, reviverá o alívio. Algum alívio, entre os sorrisos dos olhinhos claros que, definitivamente, aprenderam a andar, correr, cair, para todas as direções. Vida.
quarta-feira, 10 de março de 2010
Realidade incompreendida, o retorno. Mas ver o que foi tem gosto, cheiro, é história e corre por dentro como versos gravados. Não há tempo de ver o passado se transformar nele mesmo, a não ser de repente, quando vai longe, quando os rostos e corpos revistos mudaram, quando finalmente hoje é tempo diferente, embora passado a cada segundo - passado. Tempo móvel. Acelerado. Memória em espiral. Olhar para eu-aquela, personagem que não sabia de seus futuros múltiplos, hoje também já atrás. Saber mais que ela sobre o que viveria, incertas vidas, não sabem as próximas. Óbvio panorama interior. Inútil e inevitável. Acidental.
sábado, 6 de março de 2010
Ela, sozinha como sempre, como se nunca tivesse sido diferente. Poderia ser, mas de que importa o "se" quando o tempo futuro deixou de ser depois, e já tornou-se agora? Abandonada como desde os tempos conhecidos. Há escolhas entre a sanidade e a loucura? Se hoje o mundo seu, incerto e próprio, aberto pelas ruas e espaços comuns, for abrigo e conforto, nos pés machucados, sacolas pesadas de ar e a cabeça coberta por algo que talvez não se possa mais acessar? Ou, gota a gota, voltar. Desde quando perdeu-se o tempo de aceitar, aceitarmos, aceitarem? Qual o poder e a certeza de que o caminho deveria ser outro? Aqui, receio de pensamentos levianos. E das impotências.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
Antes mesmo daquele registro os pés até então comportados fizeram a primeira bolha da semana então O homem no ônibus cheirava mal isolado afastavam-se mas A voz intermitente ecoando até agora nem lembra mais O carro que procurava os caminhos que talvez não existam para Um corpo machucado à toa enquanto As viagens incompreendidas e opostas corriam porém Eram mais nítidas do que os sentimentos que traziam Uma temperatura tão alta que quase escondia um prédio em segredo.
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Despencava como nos sonhos recorrentes, onde a iminência do contato com o chão fazia acordar, mas era só queda sem fim. Era o espaço do tempo-depois escuro, sem imaginação. Sem graça ou ação, sem existência. Encontrava vontades como que por trás das grades, a brincadeira das dualidades ficando verdade. Enquanto isso, a esperavam o mar e os suores. As telas viciantes tomavam conta do tempo que se perdia em pensamentos estancados, os abismos perdidos, os riscos amedrontados, impulsos guardados em lugar algum, em algum lugar. Seus desenhos apagados nos humores secos. Sua imagem sem contorno.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
...o primeiro do novo ou velho início de tempo...
escolhas para um lado e para o outro
e as vontades e as opiniões
e os riscos e as necessidades
e o tempo de cada um e o meu tempo
gritos internos de ansiedade e expectativa
resultados e percursos
fugas
abismos nos pulos
profundos-no-entanto-não-saem-da-margem
reencontrar
e
.