quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Para além da próxima escolha eleitoral, fico impressionada com tamanho furor que ainda causa qualquer proposição a respeito da legalização do aborto. E, mais ainda, com o tanto que isso envolve de maneira tão direta e incisiva as correntes religiosas com decisões políticas. Será mais um holofote camuflado pelo discurso do direito à vida, ainda que seja absolutamente sabido que as mulheres que de fato optam pelo aborto o fazem, proibido ou não, nas condições que puderem, mesmo que isso custe sua saúde ou sua vida?
Imagino que abortar não seja uma festa. É quase patético imaginar que a legalização transformaria uma escolha tão forte e marcante, corporal e emocionalmente, numa prática usual e banalizada. Quem opta por não fazê-lo por razões religiosas, que siga suas crenças e respeite-se nesse sentido. Mas não pode mais ser o estado (laico??) o responsável por mais essa decisão.
Imbuída inclusive de um desejo arrebatador de ser mãe, lamento profundamente ainda estarmos no tempo em que se acredita que temos o direito de decidir pelo outro. De proibir pelo outro. De escolher por alguém sobre assuntos absolutamente pessoais, em determinado âmbito, e que por outro lado revelam e reforçam visões públicas de segregação, conservadorismo e cheios de poeira por baixo dos tapetes.
Deixemos então que adoeçam, morram ou sejam presas as mulheres nas clínicas, quartinhos e cantos clandestinos. Que seja negado mais um direito de escolha, cercado da hipocrisia de uma sociedade que sabe que suas oficializações não regem, de fato, o comportamento de boa parte de seus cidadãos - uma vez que buscam dar a si o direito de escolha sobre suas próprias trajetórias.
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