segunda-feira, 9 de abril de 2012


Aquele era um encontro entre os olhos e a superfície do outro. Não poderia ser mais profundo do que isso, porque esse era o limite. Se os olhos pudessem ver por inteiro, se enxergassem o que existe ali de verdade, provavelmente não haveria apaixonamentos. Seria como desmontar histórias antigas, como se os Romeus e suas Julietas nunca tivessem vivido e morrido por encantamento e amor. Seria a imagem de dentro escorrendo por fora, a visão funcionando como uma escavadeira que passeasse por espaços desconhecidos e quase proibidos a nós, que não podemos ver do mesmo modo que fazem as aves de rapina. Então naquele encontro, não. Era como ver uma casca de gente, uma película orgânica, os seres vistos por trás de uma certa cegueira. O outro lado era percebido por um lugar diferente. De olhos para outros, ali sim, por dentro desse espelho transparente, úmido, circular, ali estavam escritas as imensidões de histórias, como informações sobrepostas sem ordem nem escolha. É que era tão fino. É sempre tão fino que atravessa qualquer espaço sem que se perceba, até alcançar aquele lugar invisível.

Se pudessem se ver como realmente eram, talvez não conseguissem se observar por mais do que alguns instantes.
   (para Cálamo)